Bob
Dylan sob a óptica de Scorcese
"No
Direction Home - Bob Dylan"
Capta
a alma de um dos mais pungentes compositores norte-americanos
e ilumina com grande nitidez o período de 1961 a 1966,
quando Bob Dylan forjou Bob Dylan pela primeira vez _e ele
se reiventaria algumas vezes até hoje. O filme de 208
minutos dirigido por Martin Scorsese acaba de sair em DVD
no Brasil. Na Inglaterra e nos EUA, ele também foi
exibido na BBC e na PBS, respectivamente. Scorsese havia dirigido
"Feel Like Going Home", sobre a ligação
do blues com a África, um dos episódios da série
"The Blues" (2003), igualmente exibida pela PBS.

O documentário
capta com riqueza de detalhes o período em que Dylan
chega a NY até pouco antes do acidente de moto que
sofreu em 1966, sem apelar para fofocas da vida pessoal dele
nem para nostalgia barata. O cerne do coração
de Dylan e o zeitgeist daqueles 60 são exibidos com
elegância.
Country,
folk music (tradicional e rural música norte-americana)
e blues formam o tripé fundamental da música
de Dylan, com o soul a compor o quarto elemento. "Era
a sonoridade que importava [no começo]", diz Dylan
no documentário.
E o rock
? Bem, o rock ganha de Robert Allen Zimmerman (seu nome de
nascimento) um pilar estrutural, não o contrário.
Um trovador folk que ousou eletrificá-lo e pagou caro
por isso em muitos sentidos. Mas apenas alguns demiurgos são
capazes de ousar, não pelo experimentalismo em si,
mas porque possuem uma voz genuinamente criativa pela qual
acredita que é o melhor meio de se expressar _e ele
"tinha" de fazê-lo, mesmo com as vaias cujos
motivos desconhecia.
O cenário
era de Guerra Fria (comunistas, direitos humanos e o assassinato
de JFK em pauta) e da quentíssima Guerra do Vietnã.
Assuntos "banais" como esses não interessavam
a Dylan. Ele rejeitava o status de "porta-voz de uma
geração", de "mito", de "rebelde",
de "a consciência de..." e, principalmente,
não se considerava engajado politicamente.
A frustração
e o desconforto em não conseguir se desvincular de
uma imagem criada à sua revelia são captados
no final da segunda parte (o DVD é duplo), quando Dylan
diz que estava cheio daquela cena, de se sentir "pressionado
e martelado" a responder perguntas.
E perguntas
como as que ele estava "sick" de responder aparecem
aqui e ali em cenas de entrevistas coletivas da época
(de resto, cretinas em qualquer tempo e lugar). Como "Por
que você não faz mais canções de
protesto?" A resposta, irônica: "Quem disse
isso? Todas as minhas músicas são de protesto.
Tudo o que faço é protestar". "Em
certo momento, as pessoas começaram a ter uma imagem
distorcida de mim por algum motivo", diz Dylan.
Seguem
imagens da apresentação de Dylan e Joan Baez
em Washington, na Marcha do Milhão, em 1963, quando
Martin Luther King fez o discurso que se tornaria célebre,
"I had a dream...".
A relação
de Dylan com seus fãs é mais explícita
em "Crônicas", autobiografia publicada este
ano no Brasil (ed. Planeta). No documentário, há
indícios desse desconforto que possui as mesmas raízes
das de rejeitar rótulos. Dylan é abordado numa
praça por um fã que pede para tocar nos dedos
esquerdos do músico. "Por Deus, cara. Eu não
deixaria você ver a minha mão direita."
"Mas você não toca com a mão esquerda",
replicou o fã, agora sem resposta. Ou quando um casal
o aborda no carro e pede um autógrafo: "Você
não precisa do meu autógrafo. Se você
precisasse, eu daria a você".
Curioso
observar hoje as reações do público da
época, na saída dos shows em que Dylan tocava
metade acústico, metade plugado, com "aquela banda
comercial", diziam uns _The Band; nome apropriadíssimo.
"Irreconhecível", "vendido", "traidor",
o clássico "Judas!", que teve uma resposta
à altura no palco, e até mesmo "acho que
ele está se prostituindo [ao se apresentar com guitarra]"
são alguns dos comentários dos fãs. Não
sem razão, fã, etimologicamente, vem de fanático,
intolerante. Nesse caso, é aquele que considerava que
a "pura folk music" fora vilipendiada.
Entrevistas
com personalidades como Joan Baez, Allen Ginsberg, Dave von
Ronk, Suze Rotolo, Pete Seeger etc., além de uma extensa
com o prório Dylan, e imagens de apresentações
de artistas, como Odetta, Johnny Cash, Woody Guthrie (uma
das maiores influências do compositor) e vários
outros que influenciaram ou marcaram Bob Dylan, fazem desse
filme de Scorsese a biografia definitiva do cantor, compositor
e escritor. E ainda há oito apresentações
de Dylan nos extras, algumas raras e uma inédita. E
ainda há muito, muito mais.
Fontes
: "Scorsese filma biografia definitiva de Bob Dylan em
"No Direction Home", que sai em DV' - Marcelo Negromonte
- Editor de UOL Cinema
Site
Oficial do Filme
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